„Tempo bão, num vórta mais, saudade“!
Se eu tivesse que numerar as coisas que mais
marcaram a minha infância, acho que seria assim:
- Brincadeiras
na rua (amarelinha, esconde-esconde, pula-corda, passa-anel);
- Andar
descalço quase o dia inteiro;
- Tomar
banho de mangueira ou dentro do tanque de lavar roupa;
- Comprar doce na venda;
- Ir a pé para a escola;
- Ir à igreja aos domingos;
- Assistir a filmes em preto e branco na
televisão;
- Ter muitos amigos para brincar;
- Chupar manga, até me lambuzar toda;
- Respeitar pai e mãe, acima de tudo!
- Ter tido uma infância „de verdade“ !
Naqueles tempos não havia cintos de
segurança, apoio de cabeça e muito menos „air bag“!
Íamos soltos no banco de trás, fazendo
aquela farra. Brigávamos para disputar quem iria se sentar ao lado da janelinha:
ninguém gostava de sentar no meio.
O quarto tinha que ser dividido com os
irmãos, não havia essa de cada um ter seu quarto e
os brinquedos eram multicolores com pecinhas que se soltavam mínimamente e eram
pintadas com tintas bem duvidosas que continham chumbo ou outro veneno
qualquer. Mesmo assim ninguém morreu!
Não havia travas de segurança nas portas dos carros, chaves nos armários de medicamentos,
detergentes ou produtos químicos domésticos.
Andávamos de bicicleta sem capacetes,
joelheiras, caneleiras ou cotoveleiras. Claro que, quando caíamos, nos esfolávamos por todo lado. Mas ninguem
morreu!
Bebíamos água de filtro da talha de
barro, da torneira ou direto da biquinha. Não havia nada „esterilizado“. Penso
que ninguém conhecia esse termo naquele tempo.
Os meninos construiam aqueles famosos carrinhos
de rolimã e, os que
tinham sorte de morar perto de uma ladeira asfaltada, podiam tentar bater recordes de velocidade e
até verificar, no meio do caminho, quem tinha economizado a sola dos sapatos,
que serviam como freios. Porém, muitos
brincavam descalços, então já dá para imaginar o estado dos pés, dedões e joelhos esfolados!
Podíamos brincar na rua com uma única
condição imposta por nossas mães:
·
Antes de anoitecer, tínhamos
que voltar para casa. Nossos pais não tinham a mínima idéia de onde estávamos!
·
Na maioria das vezes, tínhamos
aula no período da manhã e íamos almoçar
em casa.
·
Fazíamos todo o trajeto de casa
até a escola a pé - nada de Papai ou Mamãe nos levar para a escola!
·
Quando alguém tinha piolho na
cabeca as mães colocavam Neocid em pó! Era
tiro e queda!
·
Ninguém se queixava de braço no gesso, dentes partidos, joelhos ralados, cabeça lascada.
·
Ninguém usava aparelho nos
dentes. Isso só começou a virar moda nos
anos 70.
Comíamos doce à vontade. No café da manhã,
comíamos apenas pão com manteiga. As bebidas eram todas com açúcar. Não se falava em obesidade, brincávamos sempre na rua e éramos
muito ativos. Acho que nos ajudava a queimar as calorias.
Dividíamos com nossos amigos uma Tubaína,
comprada na vendinha mais próxima.
Os animais de estimação daquela época não tinham ração, que nada, comiam a mesma comida da casa, muitas vezes comiam os
restos. Banhos quentes? Xampu? Nada disso! No quintal um segurava o cão e o
outro, com a mangueira, ia esguichando água e lavando com sabão de cebo, feito
em casa.
Ninguém lavava os pratos com
detergentes. Era tudo lavado com sabão.
A pé ou de bicicleta, íamos à casa dos nossos
amigos, mesmo que morassem a km de distância de nossa casa, entrávamos sem bater e íamos brincar. Todo mundo se
conhecia, não havia medos e
desconfianças.
Os meninos jogavam futebol no meio da rua e
sinalizavam a trave, utilizando duas pedras. Jogavam taco também e utilizavam
pedaços de pau como traves.
Na escola havia bons e maus alunos. Uns
passavam e outros eram reprovados e, nem por isso, iam a psicólogos ou
psicoterapeutas. Quem fosse reprovado, simplesmente repetia o ano e tentava de
novo no ano seguinte. As notas eram de 0 a 100, na escola primária e, só mais tarde, passou a ser de 0 a 10 no ginásio. Havia até
nota ao meio, por exemplo 2,5 ; 5,5 ou 9,5.
Hoje: A,B,C,D,E...
As festas eram animadas por vitrolas com
agulhas deslizando sobre os discos de venil. De vez em quando, improvisávamos
uma luz negra, uzilizando um papel celofane azul ou roxo que colocávamos em
volta da lâmpada.
Nossos „coquetéis“ eram feitos à base de
groselha, maçã cortada em cubinhos e
gelo.
Tínhamos liberdades, fracassos, sucessos,
deveres e obrigações.
Ajudávamos nossas mães nos serviços de casa, por exemplo, minha irmã e eu combinávamos quem iria
lavar e quem iria secar a louca do almoço e jantar.
Foi nessa época que muita coisa comecou a mudar
na moda, na pintura, no cinema, na música, na forma de encarar a sexualidade,
no relacionamento humano, nas questões de
diversidade racial e em muitos outros territórios. Muitos jovens passaram a
contestar a sociedade e começaram a dar mais
ê
ênfase aos valores tradicionais. Surgiram os hippies e a era do „peaceand
love“. O símbolo eram dois dedos em forma de V.
Vou parando por aqui, pois já está na hora de dormir. A vontade era de ficar aqui escrevendo, escrevendo sem parar, mas nao se preocupem, pois haverá muitos outros "causos" pra compartilhar com voces.
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